Meu Crime

Àcusta de muita procura e pedidos, consegui serviço temporário como auxiliar de guarda-livros, com o ordenado de trezentos cruzeiros mensais.
Eu estava perdendo noites de sono por causa de uma infecção dentária. Logo que recebi o primeiro ordenado, procurei o dentista. Chamava-se Lourival Magalhães. O orçamento importou em quinhentos cruzeiros. Propus o pagamento de cem de entrada e o restante em prestações. Ele aceitou as condições. Disse-me que terminaria o serviço dentro de um mês, ou pouco mais.
– Célio, você procurou o dentista certo – dizia ele, batendo-me nos ombros.
Eu frequentava o gabinete dia sim, dia não, após cumprido meu horário de trabalho.
Muitas despesas, longe de casa. Para não atrasar o pagamento da pensão, deixei acumular duas prestações. Expus a ele a minha situação e pedi me esperasse mais um pouco, eu não lhe daria o menor prejuízo. Ele não gostou do que eu disse.
Desse dia em diante, o tratamento mudou. No gabinete, eu esperava duas horas ou mais, enquanto outros, sob pretexto de terem hora marcada, ele os atendia primeiro. Chegada a minha vez, ligeiramente se limitava a raspar os dentes e trocar o algodão.
Um dia, pouco mais afoito, medindo bem as palavras, tentei falar-lhe com calma a respeito. Ele se irritou tanto, mas tanto, omo se lhe houvesse ofendido, com os piores nomes, toda a geração.
– Ora, muito bem, seu Célio! Você me deve prestaões atrasadas e ainda se atreve a reclamar?
– Vamos, seu coió, o que espera? Suma já e não me ponha mais os pés aqui!
– Mas. Doutor, o que foi que eu disse que o ofendeu tanto?!
Não respondeu. Agarrou-me forte os braços e me empurrou para fora do gabinete. Não contente, esbofeteou-me. Cheguei a passar por covarde. Balanceei minha situação vexatória, longe de casa, injustamente recebendo bofetões. À nova investida do dentista, agora mais furioso, não me contive, defendi-me e esmurrei-lhe a cara com toda força e ira. Em seguida, outro soco e o valente cambaleou e caiu no soalho.
– Meu Deus, que fiz? Matei o homem!
Fechei a boca com as mãos para não gritar. Ouvi ligeiros passos na escada que levava ao gabinete.
Na pensão, tranquei-me no quarto. Estava atordoado. Engraçado, procurei sempre orientar minhas ações pelos bons ensinamentos de meus pais. Daquela vez, não consegui controlar-me, perdi a cabeça. Agora, é tarde. Deixei morto o homem e sou um assassino.
Alguém bateu à porta de meu quarto. Assustado, fui atender. Era o carteiro.
A carta era de meu pai. Como nas anteriores, perguntava pela minha saúde, recomendava-me prudência e pedia que não demorasse a dar-lhe notícias, que minha mãe andava triste desde a minha saída de casa para procurar emprego em outra cidade.
– Estou perdido, pai! Matei um homem. Que Deus me perdoe, e o senhor também.
Não consegui pregar olho a noite toda. As badaladas do relógio da igreja, eu as contei todas, uma a uma, e os sons agora me pareciam lúgubres. As cenas, que culminaram na morte do dentista, cruzavam-me na cabeça.
Não suportando tamanho remorso, resolvi procurar a polícia e entregar-ne. De manhã, bem cedo, caminhei nas ruas, a olhar para os lados, apavorado com a impressão de estar sendo seguido. À porta de um bar, ouvi estas palavras:
– Bem feito! O salafrário do dentista recebeu o que merecia há muito tempo.
Dentro de pouco, achei-me diante de um prédio assobradado, de paredes enegrecidas. A Delegacia de Polícia ocupava-lhe o andar superior. Embaixo, a Cadeia Pública. Um soldado à entrada assobiava indiferente. Havia atrás das grades um detento. Tive a estranha sensação de ver-me trancafiado, como ele, barbudo, as faces encovadas, a cumprir uma pena de dez anos, ou mais.

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