‘Motorrad’ é Nietzsche com ‘Tom & Jerry’

Um grupo de jovens fazendo motocross em uma trilha remota e desconhecida entra em território proibido

Por AE/Rodrigo Fonseca • Fotos Divulgação

Passam-se uns sete, oito minutos (por aí) desde a aparição dos créditos de elenco de Motorrad sem que uma só palavra seja dita. Vemos um jovem encourado em jaqueta à la Marlon Brando (em O Selvagem), Hugo (Guilherme Prates) tentando surrupiar um carburador de um ferro-velho. Tudo se passa em um silêncio que precede o esporro do susto: o grisalho dono da loja (Jayme Del Cueto) entra em cena com uma calibre .12 na mão, disparando contra o invasor. Mas mesmo no tiroteio não espocam palavras. Elas vão valer pouco neste filme, cuja abertura já eleva o nível de adrenalina em uma luta do garoto para escapar dos tiros. É uma perseguição entre muitas deste quase cartum de sangue e trevas, que mais parece um desenho animado… parece uma aventura do rato Ligeirinho ou o Papa-Léguas fugindo do Coiote. Algo diferente do que o cinema brasileiro faz – ou talvez de tudo o que já fez, mesmo na seara da aventura e do terror. O senso de novidade se faz sentir por essa ausência de diálogo, que aponta, já na largada, estamos diante de um espetáculo cinemático: a escrita aqui não pelo verbo e sim pelo movimento puro e sem freios. Se quiser conferir o efeito, tem mais dele na grade do Festival Rio, onde este thriller dirigido por Vicente Amorim foi ovacionado na noite de quinta, em sua estreia nacional – antes daqui, ele passou pelo Festival de Toronto (TIFF), na seleção oficial.
Voltando ao início, onde vemos, sem delonga, um mapeamento do cenário – um Brasil mais interiorano, de pedregulhos e rios, propenso a rallys e expedições – Hugo é detido pelo velho e parece estar prestes a levar um tiro. Mas aí a câmera de Gustavo Hadba (o fotógrafo, em seu melhor trabalho, de cores esmaecidas, turvas) se desgruda do refém, curiosa pela demora de o tira chegar, e fita o velho paralisado, estático. Por trás dele vem uma mulher, uma morena de olhar duro, que mexe com a libido de Hugo (com a nossa também) e, sem dizer muito, salva o rapaz e se gruda nele, como um encosto. A tal presença feminina ganha contornos que vão muito além do desejo graças à atuação de Carla Salle, talvez o grande achado deste Festival do Rio no que tange a descoberta, pelo nosso cinema, de uma atriz vigorosa. E ela esbanja vigor. É uma Elektra em uma Cozinha do Inferno pedregosa e íngreme. O longa começa assim… com quase 15 minutos (ou mais) de fricção entre silêncios e engasgos. E aí entram os demais personagens. Os bons… Ou quase.

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