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Desfrute dos muitos prazeres de Portugal

Évora a base perfeita para explorar a região sul do país

AE/Mônica Nobrega

As planas estradas do Alentejo desenham curvas suaves em meio a campos plantados de sobreiros e azinheiras. Ambas as árvores são fundamentais na economia local. Da primeira é extraída a cortiça, de que a região é a principal produtora no mundo, e a segunda dá a bolota, um tipo de castanha que alimenta o porco preto e deixa a carne do animal ainda mais tenra e saborosa. Algumas poucas colinas baixas, chamadas ali de montes, ondulam a linha do horizonte, recobertas pelas videiras responsáveis por outro produto fundamental na região: o vinho.
Foi exatamente para conhecer a produção do vinho alentejano e as opções que ela oferece ao turismo que passei quatro dias na região, no fim do outono europeu. Com o inverno próximo, os parreirais começavam a enferrujar suas folhas e caminhar para o estado de dormência. Nas adegas, que é como Portugal chama os galpões industriais onde se faz o vinho, as uvas da safra 2016 começavam o processo de vinificação. Enquanto isso, garrafas de 2015 chegavam às lojas e mesas.
Beber, comer e contemplar é o que se faz mais e melhor no Alentejo. As paisagens são largas; as cidades, pequenas, com construções ora medievais, de pedra, ora caiadas, formando quarteirões de casas brancas com telhados avermelhados. Os conventos chegaram a somar 48 no século 19. Sobraram 22, e alguns dos prédios desativados para fins religiosos hoje são hotéis imersos em um charme histórico inspirador. Charmosos são também os hotéis que ficam dentro das fazendas, aqui chamadas de herdades, que costumam ter poucos quartos e colocam o hóspede para dormir entre vinhedos.
A cultura do vinho no Alentejo é milenar, mas sofreu altos e baixos ao longo de sua história. No século 17, a produção local foi prejudicada pela decisão do Marquês de Pombal de proteger os vinhos do Douro, no norte do país. Mais tarde, o governo do ditador Salazar, nas décadas de 1930 a 1960, decidiu que as terras alentejanas deveriam produzir cereais, o que levou ao extermínio da maior parte dos vinhedos. Por isso, vinhas antigas são raras – e quem as tem, como a Herdade do Rocim, onde vinhedos sobreviventes têm de 50 a 60 anos, divulga e cria rótulos especiais a partir delas.
As primeiras Denominações de Origem Controlada (DOC), ou seja, certificados que atestam a qualidade do vinho e sua produção de acordo com certos parâmetros, foram regulamentadas em 1988: completam três décadas de existência no ano que vem. Existe ainda o selo Vinho Regional Alentejano, uma categoria mais abrangente que a DOC.
Hoje, são cerca de 260 produtores de vinho nesta que é a maior região de Portugal, ocupando um terço do território continental do país. Estão espalhados pelos distritos de Portalegre, mais ao norte, Beja, ao sul, e Évora, ótima para se hospedar por causa de sua localização central. É preciso alugar carro para desbravar estas estradas, ou contratar serviços privados de transporte caso a ideia seja apreciar as degustações sem moderação.
A cidade de Évora, a apenas 140 quilômetros de Lisboa, ganha pontos também pelos ótimos restaurantes que tem. A cozinha alentejana é farta e natural. Queijos e embutidos, chamados localmente de enchidos, aspargo, grão-de-bico, o já citado porco preto e o azeite de oliva são ingredientes locais tão importantes quanto os campos, os sobreiros, as azinheiras e o próprio vinho na composição do terroir alentejano.

ÉVORA
Teve pastel de nata e queijada, dois típicos doces conventuais, logo no primeiro café da manhã em Évora. Muito adequado para o ambiente: o restaurante da Pousada dos Lóios distribui suas mesas pelo claustro do antigo Mosteiro de São João Evangelista, transformado em hotel e elevado à condição de monumento nacional.
Por esta e outras relíquias do centro histórico, Évora é Patrimônio Mundial da Unesco. Uma cidade-museu protegida por muralhas e por onde passa o Aqueduto da Água da Prata, da primeira metade do século 16. Que preserva, em meio à arquitetura medieval portuguesa, um templo romano do século 1.º, o Templo de Diana. E onde é possível ver diante da principal igreja católica, a Catedral de Nossa Senhora da Assunção, o ramo de oliveira, a cruz e a espada que formam o brasão da Inquisição, esculpido na parede de uma casa.
A Praça do Giraldo é o marco zero de Évora e endereço do centro de informações turísticas. As ruas têm calçamento de pedras, e algumas são tão estreitas que certos modelos de carros não passam. Residências são identificáveis pelos varais de roupas pendurados fora das janelas. Muitos imóveis são ocupados por lojas e restaurantes.
Na Igreja de São Francisco, a Capela dos Ossos tem 5 mil crânios incrustados nas paredes, fora os demais ossos humanos, formando um dos pontos turísticos mais visitados da cidade. Os monges que criaram o lugar ainda acharam que a ideia precisava de legenda, e assim, sobre a entrada, colocaram a inscrição “nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”. Sobra para os guias de turismo tirarem a má impressão, com a informação de que o objetivo da capela é lembrar a fragilidade da vida. É uma tentativa.
A Adega Ervideira tem uma herdade a 30 quilômetros do centro de Évora. Mas é possível degustar seus vinhos no centro histórico, na loja da marca. A Ervideira foi a primeira adega a fazer espumantes no Alentejo. Tem um vinho branco, o Invisível, que é absolutamente transparente, mas todo feito com uvas tintas E outro, o Conde d’Ervideira, tinto, cujo envelhecimento em garrafa é feito em uma represa, a uma profundidade de 30 metros, por 8 meses. Duarte Leal da Costa, proprietário, é quem conta as histórias. O povo do vinho pode ser cheio de manias, afinal.
A 2 quilômetros do centro de Évora fica Quinta de Valbom, extensão do Mosteiro da Cartuxa, onde se produz um dos vinhos portugueses mais conhecidos no Brasil. Trata-se do conceituado Pêra-Manca tinto, feito com as uvas aragonez e trincadeira, apenas nos anos de safra excepcional. No Brasil, uma garrafa de 2011 custa mais de R$ 2 mil.
A Cartuxa é uma marca da Fundação Eugenio de Almeida, organização social que dedica metade dos lucros a projetos de Educação e Cultura. Além dos vinhos, a fundação produz cortiça, legumes, cereais e azeite.
Uma das etapas da visita turística, feita no prédio de 1580, consiste em treinar o olfato para perceber a complexidade dos aromas do vinho, por meio de essências aplicadas em tiras de papel, como se faz com perfumes.

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