A difícil liberdade

Extenso e rígido o horário de trabalho no banco. Filas de clientes apressados formavam-se no salão e diante dos guichês, sempre reclamando por qualquer demora no atendimento. Todos tinham razão, menos os funcionários. O serviço sempre o mesmo, sem nenhuma alteração, dia após dia, meses após meses. Só o sadismo do Chefe não se repetia. Beirava os cinquenta anos de idade e com mais de dez na agência. Sua fértil imaginação sempre encontrava inusitada forma de humilhar os subordinados e bajular os superiores, os importantes clientes e os políticos. Julgava-se o dono da agência.
– Eu sou o banco! – proclamava a todo momento.
Sérgio começou a maldizer o dia em que deixou a administração do sítio Rancho Fundo da família, para ingressar no banco. Foi como se tivesse construído os grilhões que o haveriam de prender entre quatro paredes com livros contábeis e cofres abarrotados de dinheiro. Recordava-se das noites em que dormira sobre os livros, preparando-se para o concurso. Antes, achava aquilo uma sublimação.
Sérgio chegou tarde do banco. Nem teve tempo para brincar com o filho Rubinho que, com suas gracinhas, acalmava-o e o fazia esquecer as agruras de sua carreira. Jantou mal e às pressas, abraçou a mulher e o menino e voltou ao banco para terminar o balancete do mês. Estava sozinho. A mente e o corpo já exaustos. Pararam os toque-toques da máquina. O pensamento foi-se libertando, libertando…Voltou apressado para casa. Nem a mulher, nem o filho o esperavam ao portão, como de costume. Foi direto para o quarto. Ia fechá-lo. Norma apareceu e o interrogou com brandura e assustada:
– Você estava no banco até agora?
Sérgio não respondeu. Sentou-se na cama, apoiou a cabeça entre as mãos. Norma, de pé à sua frente, estava apreensiva com o mudismo do marido. Nunca o vira de feições tão alteradas. O silêncio foi interrompido por ele:
– Norma, não estou mais suportando a prisão. A rotina do banco está me deixando maluco. Já não suporto ver a cara do Chefe, nem o amontoado de papéis que me sufoca. Vou sumir daqui para bem longe, senão um dia acabo fazendo uma loucura.- Sumir para onde, Sérgio.
– Para o Rancho Fundo.
– E o que vamos fazer lá?
-Amanhã, a gente conversa com calma. Agora está muito nervoso, e eu sem condições de acreditar no que você disse.
– Se não quiser ir, fique com o Rubinho. Eu vou sozinho.
Norma estava atônita com a estranha decisão do marido. Seus pensamentos baralharam-se. Pensou no lar tranquilo, no filho sadio e feliz. Não queria perder a vida confortável da cidade e temia a tristeza do desamparo e da solidão. Deixar a casa adquirida com tanto sacrifício e ainda não paga, o quintal com árvores plantadas por eles, o jardim cuidado com muito carinho.
Quando o sol da manhã despontava, Sérgio, a esposa e o filho achavam-se bem distantes da cidade. Estava liberto do banco. E cantava, e pulava, e abraçava, ora o filho, ora a mulher.
– Liberdade! Viva a liberdade! – gritava ele, pulando de alegria.
Esquecia-se a acompanhar os pássaros em seus voos rasantes a tocarem as asas na cristalina água de sereno lago. Entretanto, nem a completa liberdade, nem a beleza das paisagens, nada impediu que o filho adoecesse. Sérgio entrou num lugarejo para cuidar dele. O médico estava ausente. Correu à única farmácia, pediu um remédio para febre. O farmacêutico olhou-o e à mulher com o filho no colo:
– Custa vinte cruzeiros. Sérgio enfiou as mãos nos bolsos e retirou-as vazias e envergonhado. Gente, onde meti a carteira? Será que o senhor…
– Eu não vendo fiado a estranhos.- Mas, senhor, meu filho está doente, com febre alta, e precisa do remédio. Não sei como saí de casa sem a carteira…
– Sem dinheiro, nada feito – concluiu o farmacêutico, jogando o remédio na gaveta.Sérgio saiu da farmácia cabisbaixo e mortificado.

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