Os Pernas de Pau

Domingo. À porta do cinema, o Santana distribuía programas do jogo de futebol à tarde.
– Não perca, não, xará. Vai ser um jogão de dois times Pernas de Pau. O mais divertido do ano, com jogadores que nunca meteram os pés na bola
Pouco depois, encontrei na praça meus companheiros – o Penacho e o Maneco.
Perguntei-lhes:
– Como é? Vamos ao jogo de hoje?
– Que pergunta. Decerto que vamos, Gabriel – responderam.
– Então, às duas da tarde, na Chacrinha. À noite, vamos ao circo Pirulito ver o globo da morte.
Aproximando-se a hora, vesti minha nova roupa domingueira, algumas moedas no bolso, calcei as lustrosas botinas e rumei para a Chacrinha, um sítio nas cercanias do campo de futebol.
Além do espesso bambuzal que circundava o campo e fazia as vezes das cercas, constituía também obstáculo às nossas façanhas o rio que lhe costeava quase toda a área. No ponto mais visado pela molecada e de mais fácil acesso, costumava ficar o italiano Nicola, de vara de bambu muito flexível na mão, ardendo por castigar o primeiro que se atrevesse a embocar no campo. Espalhados, seus filhos, uma penca de três italianinhos metediços, eram os ajudantes do pai.
Perto de pequena e quase oculta abertura no bambuzal, eu e meus companheiros, calados e agachadinhos, ficamos à espreita do momento azado para embocar. À nossa frente, passeavam os filhos do Nicola, para cá e para lá, cruzando-¬se de instante a instante e batendo com força a vara na cerca.
– Que vamos fazer? – resmungou o Maneco. Acho que os comedores de polenta já descobriram a gente aqui.
– Fale baixo. Não descobriram nada.
Então, nosso único recurso seria enfiar pelo rio dentro e saltar mais adiante uma tranqueira de bambus. Presto, o Maneco descalçou os sapatões, arregaçou as calças o mais que pôde e meteu-¬se na correnteza. A água cobria-lhe os joelhos, e ainda nem chegara ao meio do rio.
Voltou, despiu sem-cerimônia a calça, com muito cuidado para não sujá-la e entrou novamente a examinar até onde podia dar pé. Depois, um a um, conduziu-nos nas costas à margem oposta, sem molhar-nos.
Enquanto o Maneco se vestia, o Penacho deu uma espiada nos arredores.¬
– O Virgílio está parado ali, sozinho, Gabriel. Seus irmãos não estão por perto. Acho que chegou a hora de atarracar ele.
Foguetes espocavam, anunciando a entrada dos jogadores em campo. A filarmônica do Sudário tocava um dobrado, o povo gritava, assobiava. O Virgílio distraiu-se por uns momentos da vigilância. Foi o suficiente.
– Agora! Agora! Amarrote ele sem dó, Gabriel.
Juntei o meu adversário pelas pernas e derrubei-o sem dificuldades. Meus dois amigos cuidaram de entrar. Ao passarem por mim, perguntaram:
– Precisa de ajuda?
– Eu? Este é canja. Podem ir sossegados, que logo encontro vocês lá dentro.

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