O velho ipê-amarelo

No terreno que adquiri às margens da represa de Furnas, em Minas, havia apenas o pomar de poucas árvores improdutivas encobertas pelo mato e um imponente ipê-amarelo, cuja beleza se podia admirar a distância.
Sem cercas divisórias, nem avisos proibitivos, nos dias quentes pescadores acampavam-se, em barracas improvisadas, à sua sombra acolhedora. Em muitas ocasiões, passavam semanas pescando. E comiam, e bebiam, e dormiam embriagados, esquecidos por momentos dos problemas que a vida nos apresenta e muitos de difícil solução. Nas noites frias, aqueciam-se com bebidas e fogueira acesa aos pés do ipê. À saída, com facões, alguns chegavam a cortar-lhe galhos e a descascar-lhe o tronco.
Logo que pude, cerquei a área e construí espaçosa casa de morada, para a família passar os fins de semana e os feriados.
– Batizou o pesqueiro com o nome de ‘Rancho Fundo’ – disse eu, entusiasmado, à Lara e aos filhos.
– Belo nome. Lembra-me o imortal samba-canção ‘No Rancho Fundo’…
– Exatamente por ele mesmo. Eu canto seus versos, nos dias em que me sinto mais saudoso…
– Saudoso? Saudoso de quê?! – perguntou a Lara.
– De muita coisa. Saudoso do que houve, do que não houve, do que podia ter havido. Sei lá!
– Não entendi.
– Nem eu.
Nas primeiras chuvas, procurei recuperar as árvores que restaram no pomar e plantei mais cinco ipês de variadas cores para ornamentar o Rancho e substituir o ipê-amarelo já vetusto e maltratado dos pescadores e cujos anos de vida não deveriam estender-se por muito tempo.
A Lara cuidou de escolher o local para o jardim; as crianças, um poço bem piscoso.
Os ipês cresceram vigorosos e se igualaram em altura e grossura ao que encontrei no terreno. Tornou-se mesmo difícil distinguir, à primeira vista, uns dos outros, de tão iguais e viçosos. Ventos, tempestades, nada os abalava. Vergavam para um lado e outro e tornavam rijos à posição vertical.
Na primavera, despidas de folhagens, as árvores eram somente flores. Caídas no chão, atapetavam o pátio da casa e trechos da estrada por onde passava de mansinho, receoso de calcar as tenras pétalas espalhadas.
Anos mais tarde, notei que um dos cinco ipês plantados por mim, creio que o segundo pela localização, começou a perder folhas antes do tempo da floração e a aparentar cor amarelada. A princípio, não liguei tanta importância à observação. Como eu pouco entendia de botânica, procurei ouvir um agrônomo.
– Não vejo nada de grave, por enquanto. Com a aplicação do produto que vou indicar, creio que o ipê ficará revigorado.
Viagens longe da cidade para resolver compromissos, por mais de dois meses afastaram-me do Rancho. Só assim pude esquecer um pouco os ipês, o pomar e os ariscos peixes da represa que haviam declarado guerra a meus bem iscados anzóis.

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