O Último Natal

Nunca me esqueci daquele Natal. Foi há muito tempo. Era eu pequeno, devia de ter 8 anos.
Enorme árvore no centro da sala, iluminada de coloridas luzinhas. Vários amigos de meu pai vieram para a ceia. Após as orações de agradecimento ao Criador, a comemoração prolongou-se até perto da meia-noite. Muita comida e bebida, muito doce, muito bolo. Muita música natalina.
Minha mãe chamou-me de lado:
– Rubens, daqui a pouco, eu e seu pai vamos à Missa do Galo. Papai Noel chega à meia-noite e não gosta de encontrar criança acordada.
– Sim, senhora, mãe.
– Já! Todos para a cama e fechem as portas, senão Papai Noel nem passa por aqui.
Temerosos e apressados, corremos para o quarto. Nem mudei de roupa. Juntei meu mais novo par de sapatos, coloquei-o em lugar bem visível no fogão de lenha e fui deitar-me.
Não dormi logo, ansioso pela chegada de Papai Noel. O relógio da sala deu meia-noite. A casa toda quieta. Pensei em levantar-me e, escondido, ver Papai Noel de trenó tirado por renas, como contavam as histórias, e eu tinha visto em gravuras.
– E se ele me descobrir espiando? – perguntei-me. Certamente serei castigado.
Rezei cinco ave-marias e dois pais-nossos e depois adormeci.
De manhã, despertei pouco mais tarde com a algazarra dos manos. Apreensivo, corri para o fogão. Encontrei os sapatos dentro do automóvel de pedal, sonho que vinha acalantando nos últimos meses. Fiquei extasiado. Ainda descalço e meio sonolento, montei nele e o conduzi para a rua. Orgulhoso, desfilei na calçada, causando inveja aos amiguinhos que me rodearam curiosos e prometendo-me mundos e fundos para que eu os deixasse dar uma voltinha no automóvel.
O dia do Natal foi movimentado em casa. Muita música, doces, guaranás, castanhas, tudo à vontade. À noite, ao redor do fogão aceso, ouvimos de minha mãe episódios do nascimento do Menino Jesus e da vida dos Reis Magos.
Aquele foi o último Natal feliz do qual guardo as mais vivas recordações.

II
No Natal do ano seguinte, não houve nenhuma ceia em casa. A única alegria eram as músicas natalinas do rádio na sala. As poucas vezes que pude ver meus pais, achei-os tristes e calados, sempre arredios e evitando falar conosco. Nenhum amigo apareceu ao menos para desejar-nos Feliz Natal, ou convidar meu pai para um cafezinho no bar.
Ainda meio esperançoso, à noite coloquei os sapatos debaixo da cama. Quanto senti de manhã ao encontrá-los sem nenhum presente de Papai Noel.
– Mamãe, por que Papai Noel não veio este ano? – perguntei – quase chorando. Que mal fizemos para receber castigo?
Ela escondeu o rosto e respondeu baixinho:
– Vocês não fizeram nenhum mal.
– Então, por que fomos castigados?
– O castigo não foi para vocês. Eu e seu pai é que fomos os únicos castigados. Papai Noel está muito pobre, neste Natal.
Criança, eu não conseguia entender como pôde Papai Noel ficar pobre de um ano para o outro. Ele sempre teve todos os brinquedos do mundo à sua disposição para distribuí-los, como bem entendesse, às crianças ricas e pobres.

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