O Pobre do Caipira

Quase todos os dias, havia diferenças no caixa do funcionário Gilberto. Uma vez sobrava dinheiro, outras faltava. Pudera! Vivia ele com a cabeça no ar, alheio ao serviço, com os olhos na rua observando as garotas que passavam na calçada serelepes e provocadoras. Os colegas faziam-no ver o perigo da distração, poderia dar-se mal com grande diferença que não pudesse cobrir no prazo regulamentar.
O seu Manuel da Silva recebia pela agência os proventos da sua aposentadoria da Estrada de Ferro. Morava em um sítio distante. Todo princípio de mês, ia ao banco, a cavalo, e malvestido, para retirar o seu dinheiro. Quando viu o Sr. Manuel, já seu conhecido, humilde, lá no canto, a espiá-lo, condoeu-se dele e procurou logo o seu recibo.
– Chapa número treze. – gritou. O quê? Treze! Meu número de azar!
O Sr. Manuel não se movia. Sentado numa cadeira, as pernas cruzadas, fumava o seu ‘fedorento’ cigarro de palha. O caixa já se ia impacientando com a demora. Gritou o nome, amedrontado de repetir o fatídico número treze da chapa.
– Manuel da Silva! Manuel da Silva! Mal chegou ao guichê, o caixa jogou-lhe na frente um punhado de notas desarrumadas recebidas de outro cliente e acrescentou, irado com a pachorra do homem:
– Não precisa conferir, seu Mané. O Banco nunca erra. Chapa 25 – gritou o caixa. Dá licença aí, seu Mané! O Sr. Manuel recebeu o dinheiro, meteu-o no bornal e saiu para fazer suas compras.
Ao encerrar o movimento de caixa, o Gilberto começou a arrastar mesas, a derrubar cadeiras, a abrir e a fechar gavetas, desorientado. Nenhum objeto da seção permaneceu no lugar. O contínuo, resmungando que nada tinha a ver com as loucuras dos outros, foi obrigado a examinar uma a uma as cestas de papéis. A diferença parecia ser das mais desalentadoras. O transtorno das feições do Gilberto crescia, à medida que se comunicava pelo telefone com os bancos e as firmas que fizeram transação com a agência no dia. Para seu maior desespero, ouvia de todos que o caixa deles fechou sem nenhuma diferença.
– Desta vez estou perdido! – exclamou. Acrescentava-se a tudo isso o desequilíbrio financeiro do Gilberto, motivado não somente pelas constantes diferenças de caixa, como pela vaidade em mostrar-se importante na pequena cidade, onde os funcionários do banco gozavam de enorme prestígio, e o crédito lhes era fácil. Contado e recontado todo dinheiro, a diferença foi confirmada – dois mil e duzentos cruzeiros. Uma fortuna para quem recebia pouco mais por mês e sempre andava na dependura.- Dois mil e duzentos cruzeiros – repetia o Gilberto, com as mãos na cabeça, desalentado.

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