O novo gerente

Lembra-me bem o dia em que o Sr. Vasco chegou à cidade para ocupar a gerência do banco. Ansioso, fui com alguns colegas à estação ferroviária para recebê-lo.
– Meu nome é Marcelo. Sou o subgerente da agência. Eu e colegas vimos dar-lhe as boas-vindas e colocar-nos à sua disposição.
– Muito grato pela amiga acolhida.
Tive boa impressão dele. Apenas estranhei que, vindo de tão longe, não trouxesse consigo ninguém da família.
Aventurei-me a perguntar:
– Veio sozinho, Sr. Vasco?
– Sim. Minha família é grande, mulher e seis filhos. Achei que não devia trazê-los.
Notava-se-lhe nas palavras acentuado amargor, quando aludia à família distante. À noite, após o jantar, eu ia visitá-lo no hotel e ficávamos até tarde conversando. Numa das vezes, não o encontrei no hotel. Estava num bar, sozinho, fumando e tomando cerveja.
– Quer acompanhar-me, Marcelo?
– Não. Obrigado. Jantei agora há pouco.
Dentro do banco, o Sr. Vasco era chefe exemplar e humano. Tinha sempre uma palavra amiga e de conforto:
– Eu também venho errando, caro colega. Só que para os meus erros, muito piores, a vida não apresenta nenhuma forma de estorno, como na contabilidade.
II
Um sábado, à noite, estava eu em casa. Um conhecido foi buscar-me. O Sr. Vasco embriagava-se num bar do centro. Encontrei-o mal, a cabeça recostada à mesa. Levei-o para o hotel. Passei a noite numa cadeira a seu lado, esperando-o curar-se da bebedeira. De manhã, acordou melhor e estranhou minha presença no quarto:
– Bebi um pouco mais, não foi, amigo? E eu que no íntimo às vezes cheguei a condenar os homens por beberem até a embriaguez, sem nunca sondar-lhes os motivos que os levavam a isso. Julgava-os fracos e irresponsáveis. Estou começando a pagar pelas minhas críticas,
– Roda-me a cabeça. É a primeira vez que fico assim. Sempre haverá a primeira vez, não é, colega? Obrigado. Muito obrigado, Marcelo, pela sua companhia.
– Não fiz nada para agradecer-me.
O Sr. Vasco, conservando-se deitado na cama, entrou a falar dos filhos e lamentava estar separado deles:
– Eu não queria que trabalhassem antes de completarem os estudos. Sonhava vê-los diplomados. Quando da chegada do primogênito, quantos castelos. Erguendo-o nos braços, eu prognosticava ufanoso: “este será médico!” “Ou padre!” acrescentava a mulher, muito religiosa. Chegaram outros, com pequenos intervalos, e eram sempre recebidos com redobrado carinho, e cada qual vinha como bênção aumentar a felicidade do lar. Depois, a vida foi-se tornando difícil, os vencimentos insuficientes para os gastos da casa e das doenças.
Eu não sabia o que dizer, nem mesmo me atrevia a interromper o seu desabafo. E ele continuou:
– Os meninos iam bem nos estudos. De repente, tudo deu para trás, quando um a um deixaram o ginásio. Certo dia, o mais velho chegou da rua bradando, radiante: “Papai, mamãe, arrumei serviço numa loja. Vou ganhar duzentos cruzeiros por mês.”
Calou-se, por instantes, o Sr. Vasco:
– Essa foi mais uma desilusão. A ela, seguiram-se outras, quando os demais filhos, ainda em idade de estudo, saíram também à cata de empreguinhos. Confesso que fracassei como pai. Não consegui educar os filhos como devia.
– O senhor fez o possível. Nem tudo corre como a gente planeja.
III
Na segunda-feira, antes do expediente do banco, apressei-me a visitar o Sr. Vasco. Encontrei-o melhor, falava mais claro. Deu-me para ler a carta recebida de casa, dias antes, longa e carinhosa, contando sobre os filhos e as saudades do pai ausente. E comentou:

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