O colega Sampaio

Em prédio de dois andares, no centro da avenida, residiu por muitos anos o colega Sampaio com a esposa. Não tinha filhos. Bom colega, correto funcionário. Devia contar na época quarenta anos. Para mim, o seu único defeito, não quero julgar, era a doentia atração pelos rabos de saia. O Sampaio está morto, e creio que não vou desonrar a sua memória, narrando esse episódio que, de certa forma, faz-me lembrar dele com muita saudade e das alegres recordações de nossa vida bancária.
Condenado pelas tradicionais e austeras famílias, o que nada adiantou, o desenfreado modernismo já permitia às garotas o uso de justas calças de homem, minissaias, ou tangas mal disfarçadas pelos vestidos transparentes. Abusavam elas da liberdade, não somente no carnaval, como nos bailes e nas praças públicas, onde sempre se reuniam gulosos espectadores. Tudo isso o Sampaio aprovava com louvor e o deixava vinte anos rejuvenescido.

II
Um domingo, à tardinha, o Sampaio disse à mulher que precisava de ir com urgência ao Banco.
– E o que você vai fazer no banco, hoje, domingo? – estranhou a mulher.
– Amorzinho, amanhã vai chegar Inspetor, e preciso deixar o dinheiro do cofre arrumado, senão, nem quero imaginar as consequências.
A mulher, bem desconfiada, simplesmente aceitou a justificativa e concordou:
– Tá bem, Sampaio. Pode ir, mas volte logo.
Esse Amorzinho do Sampaio era alta e pesava quase cem quilos, bem diferente dele na altura e no peso. O coitado do Sampaio vivia arquitetando desculpas para libertar-se alguns momentos da ciumenta e hercúlea mulher que o mantinha atado a seus pés, como um indefeso cordeirinho. Não o deixava sair de casa à noite, a não ser em companhia dela. O horário de ele ir ao banco e voltar para casa era rigorosamente controlado.
Da porta do prédio onde residiam, em direção ao banco, o Sampaio caminhava lento, contando mentalmente os passos, até chegar aos cinquenta. Havia calculado, com exatidão e sem nenhuma possibilidade de erro ou perigo que, daquele ponto em diante, estava livre da vigilância da mulher que todos os dias do alpendre lhe fiscalizava cada movimento. Ultrapassados os cinquenta passos, limite de risco, o Sampaio sentia-se liberto do cativeiro e tomava a direção que seu apurado faro sentisse perfume feminino.
– Cadê as meninas? Quero ver as meninas!
Os olhos sequiosos moviam-se ligeiros, buscando um rabo de saia para amenizar-lhe um pouco a tortura da rotina familiar. Apressado, rumou para o jardim, onde àquela hora da tarde costumavam desfilar belas mariposas.
Sentiu fino perfume.
– Elas estão voando. Estão por perto. Apareçam logo, que tenho pouco tempo!
Não durou muito, viu uma coisinha revestida de todas as formas femininas, um pedaço do caminho do paraíso.
– O quê? Do paraíso ou de outro lugar? – perguntou a si mesmo, boquiaberto.
Não lhe importava de onde tenha vindo. Era uma diabinha de coisa de dezoito anos, uma vampe, movendo os quadris à direita e à esquerda. Vinha sozinha no passeio às vezes estreito para o seu cadenciado rebolar.
– Caramba! Que estou vendo? Eu não mereço tanto assim! – exclamou o Sampaio, arregalando os olhos e esfregando as mãos, de contente.
A inocente garota passou triunfante por ele, sorrindo graciosa para a população masculina que se aglomerava na praça para apreciar o esguio corpo de cinturinha de vespa apertado com justa minissaia, acima, muito acima dos joelhos.

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