O Caso do Bilhete

Desde a manhã de sábado, no jardim da praça, o cambista Marques oferecia bilhetes da Loteria Federal:
– Olha o bilhete da sorte grande! Sorteio hoje, dia de Santo Antônio!
A cada momento, consultava o relógio. Aguardava a chegada do seu amigo Benedicto, a quem vendera fiado um bilhete inteiro, com a condição de ele pagá-lo até as três da tarde do sábado, quando o cambista era obrigado a prestar contas dos bilhetes recebidos para a venda.
A hora marcada aproximava-se, e o seu amigo não apareceu. Enraivecido, o cambista Marques dirigiu-se à casa lotérica para a prestação de contas e pagou o bilhete vendido fiado. Mais tarde, à porta do cinema, encontrou o Benedicto. Este, muito desajeitado, foi-lhe ao encontro para devolver-lhe o bilhete e desculpar-se muito. O Marques estava trêmulo e vermelho de raiva.
– Não combinamos que você me daria o dinheiro, ou o bilhete de volta, antes das três? Como você mancou comigo, fui obrigado a pagá-lo na lotérica. Fique com ele. Outro dia, você me paga.
– Sinto muito, mas não posso ficar com o bilhete. Em casa, encontrei a mulher de cama. Gastei com remédios. Estou num farelo danado! Desculpe o velho amigo!
– Que velho amigo! – exclamou o cambista, recebendo de volta o bilhete.
O cambista afastou-se, sem mais nada dizer. Angustiado, oferecia o bilhete devolvido a todas as pessoas da rua, até com desconto:
– Olha o bilhete da sorte grande. O último. Corre hoje, daqui a pouco, dia de Santo Antônio.
O Marques vivia descorçoado da vida. Andava a semana toda, na cidade e na roça, a vender a sorte. As pessoas passavam de largo por ele, ou procuravam evitá-lo. Tentara a vida de vários modos e sempre fora a pique. Entristecia-o ver os filhos crescerem na pobreza, sem nenhum vislumbre de melhores dias.
Dia aziago aquele! Tudo por causa do Benedicto. Com o dinheio gasto no pagameno do bilhete devolvido e que ficou em seu poder, pagaria o armazém e o aluguel da meia-água onde morava.

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