O cão e o ceguinho

Descorçoado de vagar pelas ruas atrás de serviço, o engraxate Dudu sentou-se num banco da praça para descansar. Como de costume, tinha os olhos a reparar nos sapatos das pessoas que passavam.
– Uma graxinha, aí, Doutor? Rápida e caprichada!
A poucos metros, viu atravessar a rua, a passos lentos, um menino e seu cão, lado a lado. O menino era cego e aparentava a idade de 15 anos. O cão já bem velho. Ninguém tomou conhecimento da chegada desses ‘ilustres’ visitantes à cidade. Também, nada importava que viesse juntar-se outra mais às tantas misérias já existentes. Acaso alguém indagou de onde vieram, ou para onde iam? Não! Ninguém mesmo!
O menino cego suplicava em alta voz:
– Ó boa gente, onde fica a Santa Casa? Estou muito doente – implorava ele a esmo, sem ao menos saber se alguém o estava ouvindo. Tupi! Tupizinho! Não me abandone, amigo!
Dudu levantou-se do banco e correu em auxílio do Ceguinho:
– Eu levo você à Santa Casa, amigo! Segure o meu braço!
E lá foi Dudu, a caixa de engraxate nas costas, rua afora, conduzindo o cego. Pouco atrás, seguia-os o cão Tupi.
Na Santa Casa, alojaram o Ceguinho num cubículo escuro, examinaram-no à pressa, deram-lhe algum medicamento e o esqueceram. Apenas uma freira, apiedando-se dele, a todo o momento estava a seu lado:
– Qual o seu nome, filho?
– Luís. Mas só me chamam de ‘O Ceguinho’.
– Onde moram seus pais, Luís? De onde veio você?
– Não conheci meus pais. Não sei bem de onde venho, nem onde estou, nem para onde vou.
O pobrezinho a nada sabia responder, nem se lembrava de sua vida pregressa, ou se a teve. Amor, carinho, se os recebeu um dia, quem lhos deu foi seu único amigo – o cão Tupi. Mãos humanas jamais o haviam acarinhado. Permanecia mudo, os olhinhos sem brilho fixos na freira, sem entretanto poder ver esse anjo que o velava e protegia.
Era noite quando a enfermeira veio avisar que havia terminado o horário de visitas.
– Amanhã eu volto, Luís!
– Deus lhe pague, meu bom amigo!

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