O campinho das peladas

As peladas começaram com a bola de borracha que o Totonho ganhou do pai no dia de seu aniversário de 15 anos. Eram elas no meio da rua. Camisas, sapatos, pedaços de tijolos ou montes de capim funcionavam como traves. Os menores, empoleirados nos barrancos marginais da rua, gritavam a valer, ora a aplaudir, ora a criticar. Quando um jogador estava com a bola à porta do gol adversário, ensaiando o chute certeiro e inflamado pela torcida, o estridente buzinar de um caminhão, ou automóvel, obrigava os jogadores a deixar o campo revoltados e a gritar palavrões.
Mais tarde, conseguimos a bola de capotão à custa dos ossos catados por nós nos pastos e beiras de rio e vendidos a centavo o quilo ao seu Cambucar, que pagava quanto queria e quando lhe convinha. Não era bola nova. Tinha pequenos remendos, mas duraria muito, se procurassem evitar os arames farpados das cercas e os pneus dos carros e caminhões.
– Já temos a bola. Agora falta o campinho – disse Totonho, entusiasmado com a aquisição da bola.
– Isso mesmo. Um campinho só para nós – aplaudimos.
Durante vários dias, andamos pelos arredores à procura de terreno. Queríamos ter onde jogar, meter o pé na bola com toda a força, sem receio de ela estilhaçar vidraças de vizinhos e criar confusão para nossos pais, ou cair em quintais vigiados de bravos cães.
Após muita procura, soubemos que o turco Nicolau tinha pequena área de pasto abandonada. Corrermos a procurá-lo. A princípio, ele negou. Disse que aquele ano, se as chuvas ajudassem, iria plantar milho nele. Depois de inteirar-se de que nós queríamos o terreno para usá-lo como campinho de futebol, ele mudou logo de ideia.
– Quando menino, eu gostava muito de jogar bola. Vou ajudar vocês.
– Quanto o senhor vai cobrar de aluguel?
– Nada! Nada! Vocês limpam o pasto bem limpinho, e ele é de vocês.
Naquele mesmo dia, corremos para conhecer o terreno. Ficamos pasmados:
– Minha Nossa! Quanta sujeira!
– De graça, ainda é caro. Seria loucura aceitar. Se ao menos o turco mandasse limpar ele para nós…
Era um terreno entre o aterro da estrada de ferro e o ribeirão, entulhado de latas velhas, garrafas quebradas e cacos de vidro, cercado parte de arame enferrujado e parte de mandacarus. A miúdo, espalhavam-se moitas de capim barba-de-bode misturadas com unhas-de-gato bem crescidas. Pelas dimensões, planura e localização, até que daria excelente campinho. Mas a trabalheira que iríamos ter deixava-nos desanimados. Ajustar um roceiro para o serviço mais pesado foi a ideia por todos aplaudida, mas não vingou. E dinheiro? Também nos pareceu difícil encontrar alguém que quisesse trabalhar para crianças e de graça.
Mesmo assim, decidimos enfrentar o desafio de levar avante o tão ambicionado desejo. Já não era somente o grupo do início. Ouvidos os comentários sobre o futuro campinho, outros meninos aderiram ao trabalho, esperançosos de serem um dia convidados para integrar o time da rua.
Para o início dos trabalhos, cada um levou a ferramenta de que podia dispor. Eram facões, foices, pás, picaretas, enxadões, rastelos, tudo quanto pudesse ser utilizado na limpeza. Não havia horário determinado. De manhã, de tarde, de noite, sábados e domingos, conforme o tempo disponível e a capacidade física de cada um.
Com a falta de experiência e as ferramentas velhas, sem corte e mal-encabadas, a limpeza caminhava a passo lento. Era tarefa para dois meses ou mais. A carrocinha que havíamos pedido emprestada ao Sr. Martins, puxada por dois meninos, revezados a cada quinze minutos, dava diversas viagens, levando entulhos para as margens do ribeirão.
O turco Nicolau quase todos os dias aparecia por lá e mais entusiasmado que nós. Andava todo o terreno, como se estivesse a fiscalizar os serviços. Às vezes, pegava da enxada e carpia pequenos trechos que não estavam do seu agrado.

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