Meus cinco mil-réis

Menino ainda, eu não tinha a menor notícia da Revolução de 1930, deflagrada entre alguns estados do País. Também, que diferença me fazia, apenas com 8 anos de idade? Morávamos em Santa Cruz, um povoado tranquilo, de uma só rua e poucas casas, quase todas nas proximidades da igreja e da estação ferroviária.
Certa manhã, um roceiro atravessou o arraial, a cavalo e a toda a brida. Aos gritos e gestos, avisava que soldados se aproximavam e não sabia se eram mineiros ou paulistas. Rápido, gerou-se enorme confusão entre os moradores. Quase todos se evadiram do lugarejo, à procura de abrigo em fazendas e sítios, qualquer lugar seguro e bem distante do arraial, onde se pudessem esconder.
Meu pai tinha venda de secos e molhados, de pequeno estoque de mercadorias e reduzida clientela. Embora receoso de deixar a casa, e mais preocupado com a segurança da família, mandou que juntássemos roupas e pertences indispensáveis e rumamos a pé e ligeiros para a fazenda do Sr. Nhonhô, onde também se acolheram várias famílias refugiadas.
Regressamos duas semanas depois, quando soubemos que os soldados, sem nenhum combate, deixaram o lugarejo. A pouca distância de casa, meu pai começou a acelerar os passos e por fim a correr. As portas da venda foram arrombadas.
Diante de tamanha desordem, minha mãe começou a soluçar. Meu pai apenas pôde balbuciar as palavras que costumava usar em momentos difíceis:
– Tudo bem! De hora em hora, Deus melhora!
Quanto a mim, não perdi tempo. Corri para o esconderijo no porão de casa, onde costumava guardar a latinha com todo o meu dinheiro. Contei nota por nota, níquel por níquel. Não faltava nada.
Ficamos com a dúvida – afinal, quem foram os saqueadores da venda? Os soldados, ou os poucos moradores que não quiseram abandonar o lugarejo?
Não abrimos mais as portas da venda. O pouco das mercadorias que se aproveitou, meu pai saía a mascateá-las a cavalo pelos sítios, de porta a porta. Era eu que cuidava do animal. Um dia, não o encontrei no curral. Talvez à procura de alimento arrombasse a cerca. Saí a procurá-lo. Dei com ele morto, atolado no charco perto de casa.

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