História de uma jumenta

No tempo do nascimento de Jesus, reinava em Jerusalém o tirano e sanguinário rei Herodes. Conforme lhe chegara ao conhecimento, seria o recém-nascido Rei dos Judeus e viera usurpar-lhe o trono. Egoísta e mau, sem saber onde, nem como encontrar a Jesus, e para que este não lhe escapasse, mandou os soldados sacrificar, em Belém e no seu território, todos os meninos de dois anos para baixo. O Senhor, contudo, não permitiu caísse seu Filho sob a espada do desalmado tirano e, em sonho, avisou a José do perigo e mandou-o partir com o Menino e a Mãe para o Egito. José acordou a Maria e puseram-se em fuga…
Era uma noite fria, sem lua nem estrelas, escura como breu. José, com Jesus no colo, e Maria caminhavam na fuga, atendendo ao aviso divino. A distância era longa e já se sentiam exaustos. Numa curva, de entre o espesso arvoredo à orla do caminho, surgiu um vulto e vinha em direção a eles.
A princípio, José e Maria assustaram-se. Ao aproximar-se mais o vulto, José se aquietou e disse à Maria:
– Não temais. É um amigo.
Era uma Jumenta bem nova. Não trazia arreios no lombo, ninguém a cavalgava. Dócil e mansa, logo se emparelhou com a Sagrada Família.
Notando o cansaço da esposa, José desvestiu a surrada capa e estendeu-a sobre o animal.
– Podeis montar sem medo, Maria.
A Jumenta esperou que Mãe e Filho se acomodassem em seu dorso e os levou sem nenhum incidente até o final da longa viagem.
Nunca mais se ouviu falar da Jumenta.

II
Passaram-se trinta e três anos. Era a Festa da Páscoa. Jesus e os apóstolos se dirigiam para Jerusalém. Quando se aproximavam do povoado de Betânia, perto do Monte das Oliveiras, Jesus mandou dois discípulos à frente, com a seguinte ordem:
– Vão até ao povoado, ali adiante, e logo encontrarão uma Jumenta amarrada. Soltem-na e a tragam aqui. Se alguém reclamar alguma coisa, digam que o Mestre está precisando dela, mas logo a devolverá.
O dono da Jumenta nada reclamou. Ao contrário, sentiu-se aliviado e feliz, pois era sua intenção sacrificar o animal e faltava-lhe coragem. E disse-lhes:
– Não precisam devolvê-la. Não serve mais para nada. Parece mansa, mas quando alguém tenta montar nela, salta, corcoveia e atira longe o cavaleiro.
Como ordenado, os discípulos levaram a jumenta. Sem considerar as recomendações do dono, colocaram-lhe mantos no dorso, e Jesus montou nela, para a entrada triunfal em Jerusalém.
Grande multidão tinha ido assistir à Festa da Páscoa. Agitando palmas e ramos de oliveira, saíram ao encontro de Jesus, a gritar com entusiasmo:
– Hosana ao Filho de Davi! Hosana ao Filho de Davi!
III
Com a divina carga nas costas, só agora podia a Jumenta repousar dos longos anos de sofrimentos e humilhações, por ser um animal pequeno e considerado inútil pela maioria dos homens. Caminhava lento, a cabeça voltada para baixo, num gesto de humildade. Pelo caminho, por onde passava levando a Jesus, mantos e flores eram lançados e atapetavam o chão.
Pressentindo os sofrimentos e vexames por que deveria passar o Salvador dos Homens, logo que se viu sozinha, a Jumenta fugiu do tresloucado povaréu que gritava e blasfemava, pedindo a execução de um inocente e a soltura do bandido Barrabás.
– Que morra Jesus crucificado! Soltem Barrabás!
Já bem velha e sem forças, a Jumenta sentiu ter cumprido sua missão na terra e chegado ao fim da jornada. Morreu num pasto árido, sem água nem comida, distante do Monte Calvário, onde uma semana depois Jesus foi crucificado com dois famosos ladrões.
Morreu abençoada a Jumenta, porque foi o único animal merecedor da graça de ser escolhido para carregar a Jesus duas vezes. A primeira, ainda nova e muito feliz, com pressa de chegar ao Egito, carregou ao Menino Jesus para fugir dos soldados que o procuravam para matá-lo. A segunda, trinta e três anos depois, velha e muito triste, levou Jesus a Jerusalém, para a crucificação e morte.

Nege Além
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