História de Fim de Semana

Naquele sábado, a mulher, eu e os filhos fomos pescar. Cada qual levava o seu lanche, a vara de pesca e uma latinha com terra e minhocas. A certa altura do percurso, o Mauro, um dos maiores, perguntou:
– Pai, quando o senhor vai acabar aquela história?
– Não me lembro bem dela. Onde mesmo que parei?
– Puxa vida, pai! O senhor já esqueceu? Os bandidos mascarados conseguiram amarrar o Mocinho, abrir a jaula e soltar o leão faminto… Tá lembrado, agora?
– Tô sim! Caramba! Como fui deixar o Mocinho em perigo?
As histórias eram inventadas durante o percurso. Por mais que fossem absurdas e desconexas, conseguiam prender até a respiração dos pequenos ouvintes, que chegavam a deter-se e a rodear-me, com os olhos arregalados, para escutar melhor cada palavra da narrativa. E eu, envaidecido com o entusiasmo deles, acrescentava novas e incríveis façanhas, tão estapafúrdias que a mulher, lançando-me olhares de censura, pedia-me que não abusasse tanto da ingenuidade das crianças.
Como nas fitas em série, eu sempre procurava interromper os episódios nos momentos de mortal perigo para o Mocinho.
– Então, vocês querem mesmo ouvir o resto da aventura do Mocinho?
– Muita atenção. Vou continuar. O Mocinho ouviu urros que sacudiam as paredes do abandonado barracão, onde estava preso, e já sentia o mau cheiro da fera que vinha se aproximando. Amarrado com grossas correntes de ferro e ligadas as pontas com cadeado, o Mocinho se mexia e remexia, inutilmente, tentando soltar-se. O leão olhava-o de longe e abria uma bocarra deste tamanhão, passava a língua nos beiços mostrando as afiadas presas, como se quisesse dizer: “desta vez, você está no papo, Mocinho!”
Nessa altura da narrativa, relanceava os olhos para os filhos. A caçula, Marcinha, muito triste, perguntou:
– Pai, o leão estava mesmo com muita fome?
– Sim. Estava morrendo de fome.
– Os covardes bandidos não queriam encrencas com a polícia e, logo que conseguiram acorrentar o Mocinho e soltar o leão, caíram fora, para não se comprometerem ainda mais com a Justiça. ‘Ora, não havia ninguém por perto que pudesse soltar o Mocinho, que tinha tanta força e habilidade com armas e daria a vida, se necessário, para salvar as pessoas em apuros. Ah! Se ao menos ele estivesse com os braços livres, apenas com um murro de seus punhos de aço poria o leão a dormir por mais de uma semana.
– Tadinho do leão! – exclamava baixinho a Marcinha. Tá com fome!
Eu não me podia calar um instante para cobrar fôlego, que as crianças reclamavam, brabas:
– Continue logo, pai! Já não aguento mais! Estou molhado de suor, de tanto torcer pelo Mocinho…
Eu lhes pedia que se calassem, para melhor concentrar-me. Na verdade, àquela altura, eu estava sem saber como salvar o Mocinho da enrascada em que o meti, preso com fortes correntes de ferro, e o leão faminto preparando-se para a refeição especial, que até então nunca tivera em vida – devorar um Mocinho. De repente, acudiu-me uma ideia salvadora e continuei:
– O Mocinho sempre tem muitos amigos em todas as partes do mundo. Então, ele lembrou-se de invocar a ajuda de Flash Gordon, com quem estivera lutando, tempos atrás no planeta Mongo, contra o tirano imperador Ming, que estava prestes a destruir a terra. Numa das batalhas, com risco de perder a vida, o Mocinho conseguiu salvar Flash Gordon da emboscada que lhe armou o cruel monarca, a qual certamente o teria levado à morte.
– Então, o Mocinho era amigo de Flash Gordon? – perguntaram, admirados.

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