Filho preso

Era segunda-feira de manhã, princípios de janeiro. O Sr. Alencar conservava na alma os ecos das alegres festas de fim de ano que reuniram em sua casa parentes e amigos. Nem chegara a tomar o café, quando um conhecido lhe veio trazer a notícia de que seu filho Aurélio estava preso.
– Meu filho Aurélio?! Está certo disso? – indagou o pai, perplexo.
– Sim, o Sr. Alencar não acreditou na notícia. Era impossível que o filho ainda pudesse estar fora de casa e muito menos preso. Correu ao seu quarto. A cama sem nenhum vestígio de ter sido ocupada à noite. Estremeceu. Lembrou-se de que à tarde o filho o avisara de sua ida à festinha na casa de um colega de ginásio e voltaria logo.
O Sr. Alencar tocou às pressas para a delegacia. No caminho, ia ruminando os pensamentos. Que teria acontecido? Impossível. Aurélio nunca bebeu e fugia de encrencas, mas tudo podia acontecer em grupinhos de estudantes de sangue novo e ideias extravagantes. À porta da delegacia, o Sr. Alencar dirigiu-se ao guarda de plantão:
– Por favor, procuro um rapaz de nome Aurélio. Um almofadinha? Se for ele, você veio ao lugar certo. Está de velho na ‘gaiola‘- informou, friamente, o policial. É parente seu?
– Sou o pai dele. Qual o motivo da prisão?- Seu filho e outro vadio resolveram surrupiar algumas garrafas de cerveja de um vendedor ambulante. Foram flagrados pelo Dr. Delegado e presos na hora. Sem mais nada adiantar, o guarda pediu ao Sr. Alencar que o seguisse. Enfiaram por um corredor longo, frio e escuro. A caminhada longa cada vez mais afligia o pobre do pai. Pareceu-lhe que ia visitar um criminoso que precisasse ser trancafiado a sete chaves e não um indefeso jovem.
– É aqui a ‘gaiola’ de seu filho – disse o policial. Pararam diante de cela escura e úmida. Nenhum móvel. Num canto, sozinho, estava Aurélio vestido com a roupa de festas e deitado no assoalho de cimento, sem colchão ou cobertor que o agasalhasse do frio da noite. Tiritava de frio e gemia alto. Nada o arrancava de seu duro sono. Talvez nem quisesse despertar, a medo de entestar com a realidade que o estava aguardando.
Para os pais, os filhos não crescem. Conservam a mesma dependência e estatura de menino através dos anos. Os olhos fixos em Aurélio, por instantes o Sr. Alencar vê diante de si uma criancinha descoberta, a agitar bracinhos e perninhas nus. Então, sente na própria pele a gelidez do corpinho à sua frente e não lhe pode acudir. Limita-se a ver e a sofrer. Acorda. Visita pra você – gritou o guarda, escarnecendo.
O detento continuou imóvel. O policial batendo forte com um pedaço de ferro numa grade e noutra, até acordá-lo. Ao guarda, pouco lhe importava se o despertasse em sobressaltos e lhe interrompesse um lindo sonho, ou um horrível pesadelo, ou não despertasse nunca mais. Pouco lhe importava.
Já desperto, nos primeiros momentos Aurélio tentou recompor os episódios daquela noite e não se conformava em estar preso. Nunca vira o pai com a guasca na mão, pronto para vibrá-la nos filhos. Em casa abundava a compreensão, a tolerância e o amor. Perdoava-se ao filho que errava uma, dez vezes, se necessárias. Aurélio abaixou a cabeça envergonhado, ao ver o pai.
– A bênção, pai! Como vai a mamãe?- Deus o abençoe. Ela não sabe de nada, nem sei como falar-lhe. O que aconteceu?- Nada fizemos de errado, pai. Quando voltávamos para casa, às dez horas, meu amigo Hélio pediu uma garrafa de guaraná a um vendedor ambulante e pagou. Antes de tomá-lo, apareceu a viatura da polícia com um soldado ao volante e o delegado. O veículo parou a nosso lado. O delegado, mal podendo parar em pé, saiu e gritou:- Vocês dois estão presos, seus moleques ladrões!

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