Dia de fita em série

Comi depressa, tomei uma caneca de café, meti a pasta de livros debaixo do braço e fui. Era quinta-feira, dia de fita em série. Sempre duas sessões, e eu ia à segunda, depois das aulas, com permissão de meu pai, para chegar em casa mais tarde. O recurso era deixar de ir à escola. Perder a fita em série? Isso, não! Apenas uma vez por semana. Aulas havia todas as noites, de segunda a sexta-feira, e nenhum prazer elas me davam.
O prédio do cinema era de dois andares. Em cima, o ‘galinheiro’, porque dali a gente assistia às fitas empoleirado, de qualquer jeito, em bancos e cadeiras quebrados, sem nenhum conforto. Mas tinha a vantagem de ser bem mais barato. O Sr. Carlos, pai dos donos do cinema, tomava conta do ‘galinheiro’.
Até àquela hora, o Sr. Carlos não havia aparecido. No topo da estreita escada de madeira, a pique e muito barulhenta, que levava ao ‘galinheiro’, costumava ficar o porteiro Emílio, na ausência do Sr. Carlos. Certas pessoas não podem subir um pouquinho na vida! Aquele cara não deixava a gente passar sem a entrada. Dinheiro, somente na bilheteria ou com o Sr. Carlos .
O Sr. Carlos não chegava. Eu nem podia controlar tanta aflição. As luzes do salão do cinema apagaram-se. Sete em ponto. Cerraram-se as cortinas da porta de entrada. Senti aperto no coração. Acaso estaria doente o Sr. Carlos? Numa quinta-feira, dia de fita em série, e com uma só sessão! À volta de mim, outros meninos tristes, de cara amarrada, talvez na mesma aflição, vigiavam as portas do cinema, à espera do Sr. Carlos.
– Olha o pinhão cozido. Dez centavos o pacote. Está acabando.
Aproximei-me dele, olhei para os lados. O Sr. Carlos não vinha mesmo. Um pacotinho, Sr. Elias – pedi. Pois não. Está acabando. Recebi o pinhão e guiei para a escola, amuado. Maldita escola! Semana toda na escola. Quando chega quinta-feira, há uma só sessão, e o dinheiro não dá para nada. Na primeira esquina, topei com o Sr. Carlos. Vinha sossegado, parando a todo o instante.
À notícia de sua chegada, formou-se de imediato longa fila, que começou a serpear pela escada acima, numa barulheira infernal. Eu também fazia parte dela, embora me faltassem dez centavos, e ele estava cobrando cinquenta, naquela noite. Quem sabe se, com pressa, o Sr. Carlos não contasse bem o dinheiro e me deixasse passar. A meninada entregava-lhe as moedas e ia entrando. O Sr. Carlos apenas as olhava e metia no bolso do paletó.
– Não, não dá. Cinquenta centavos. Você só tem quarenta. Menino, por favor, me empresta dez centavos. Amanhã eu pago vinte. Pago trinta. Desesperado, pedia a um e a outro, ninguém me ouvia. Já fora da fila, vendo a criançada subir e entrar feliz, resmunguei uma porção de nomes feios e tive ânsias de atirar os pinhões na rua.

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