A roça de milho

O milharal plantado no Rancho Fundo crescia abundante e viçoso e já começava a embonecar. As crianças brincavam ao redor dos pés, contavam as espigas e a todo o momento perguntavam se já podiam apanhar algumas para cozinhar.
– Não!
– Só uma, pai! A gente divide ela com todos!
– Ainda é cedo! Os grãos estão pequenos. Sua mãe vai fazer pamonhas e curau, como no ano passado. Estão lembrados?
O seu Chico era proprietário de um sítio bem próximo ao Rancho. Seu gado, não tendo o que comer no reduzido espaço onde vivia confinado, um dia arrombou a cerca de arame farpado e espalhou-se ligeiro a pastar nas imediações. Eram dez ou doze cabeças. Livres e famintas, abocanhavam aqui e ali as touças mais verdes que encontravam. Quando deram com o verde milharal do Rancho, nada as segurou. Invadiram o quintal e comeram, e pisaram, e destruíram não só o milharal como as plantações rasteiras.
Ao amanhecer, demos com a destruição. A princípio, a natural revolta, os ânimos exaltados, Afinal, o que se cumpria fazer? Punir os culpados? E quem eram eles? Os animais tinham fome. Quanto ao sitiante… Ficaria bem mais barato e cômodo resolver amigavelmente a ocorrência que demandar na Justiça por mais polpuda pudesse ser a indenização.
Aquele ano, de nossa roça de milho, nem pamonha, nem curau, nem ao menos uma espiga de milho cozido ou assado.
Minha mulher, com aparente calma e indiferença, após percorrer os olhos sobre o que restou, apenas me disse que ia levar as crianças à escola e depois almoçar com algumas amigas.
– Esquisito! Muito esquisito mesmo! – estranhei.
A mulher não costumava levar desaforos para casa e parecia indiferente, como se nada houvesse acontecido.

II
Era uma sexta-feira, clara manhã de março. A mulher ainda não havia voltado da cidade. Depois do almoço, tomei um copo de vinho, peguei uma vara e fui pescar. Tantos cuidados com o milharal, recomendações e até ameaças às crianças. Sem mais nem menos, ver tudo pisoteado.
Sentado no barranco, à sombra da mangueira, passei mais de hora sem perceber o menor movimento na ponta da vara. A sonolência veio de mansinho, de mansinho. A fresca sombra da mangueira era irresistível tentação ao repouso prolongado e regenerador de que eu mais precisava no momento. Espetei a vara no barranco, firmei-a bem para não desprender-se e recostei-me ao tronco da árvore…

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