A nova clínica

O aposentado Prof. Almeida lecionou Português durante anos seguidos, vinte, trinta, até perdera a conta do tempo. Consumia noites de vigília debruçado sobre os clássicos e as gramáticas, a sondar-lhes os misteriosos labirintos. A obsessiva preocupação com o vernáculo tornou-o mirrado, as faces encovadas, os olhos fundos atrás dos grossos óculos.
– Cada dia encontro mais novidades. Morro sem conhecer um pouco mais da nossa maravilhosa língua e não por falta de a estudar e amar – lamentava ele, constantemente.
Não se queixava de nada o dedicado professor, nem da velhice, nem da minguada aposentadoria. Entretanto, o que o deixava indignado eram os crassos erros de linguagem que pululavam em jornais, revistas, televisão e propagandas comerciais.
Na rua, a cada passo, o Prof. deparava com chorrilhos de absurdos a lhe saltarem diante dos olhos para provocá-lo. Ele punha as mãos na cabeça e exclamava desalentado: – Deus meu! Que fazem da nossa língua?! Está ela nos estertores da mor­te, e ninguém a socorre. Embora velho, ainda tenho um resto de fôlego para continuar a defendê-la dos criminosos predadores, até o final de meus dias.
Habituado a frequentar diuturnamente os clássicos, não conseguia o Prof. Almeida imaginar o sofrimento de Vieira, Bernardes, Camilo, Herculano, Machado de Assís e outros puristas, se lhes fosse imposto o infortúnio de um dia voltarem à Pátria e entestarem com os enxurros de barbarismos, solecismos, estrangeirismos e outros ‘ismos’ maculadores da língua tanto cultivada e amada por eles.

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