A Desforra

Embora ainda revoltados com a velhacaria do turco Nicolau, tentamos esquecer a ideia de ter o nosso campinho. A turma, aos poucos, foi-se dispersando. Não havia mais as peladas no meio da rua, nem se tocava no assunto.
Rolaram os meses, dois, três, quatro.
Num domingo, de manhã, casualmente se encontraram alguns do nosso grupo. E conversa daqui e conversa dali, veio à baila a transação do terreno do turco Nicolau.
– Puxa vida! Faltava só fincar as traves, para terminar o campinho, e o raio do turco foi aprontar aquela patifaria com a gente – lamentou o Totonho.
– E por falar no turco, que tal uma visitinha à roça de milho que ele plantou no terreno, depois que suamos para limpar? – propôs o Bastião.
– Boa ideia! Vamos agora mesmo?
Pois eu não esqueci, nem vou esquecer tão cedo – disse o Dito, sem ocultar a sua revolta.

II
Sentados nos dormentes da estrada de ferro, olhávamos a roça de milho lá embaixo a ocupar todo o pasto que tínhamos a ilusão de transformar num campinho. Na terra descansada e gorda, o milho cresceu viçoso. Os pés na mesma altura e a cana engrossando por igual formavam um verde tapete que dava gosto ver. Os pendões erguiam-se por sobre as largas folhas caídas e ondulavam à ação da mais leve brisa. As bonecas começavam a granar.
Eu repeti aos amigos as recomendações do turco, receoso de não concluírmos a limpeza antes das chuvas.
– Limpem direitinho o pasto. Depois, o pasto é de vocês.
Só muito tarde percebemos a razão de tanta bondade e empenho dele para a limpeza antes das chuvas.
– Nosso campinho? Nosso uma banana! – explodiu o Totonho, irritado, ao ouvir a repetição das frases do turco Nicolau.
Afinal, éramos ingênuos, desconhecíamos as espertezas das pessoas grandes e desonestas. Jamais nos havia passado pela cabeça que o turco ocultasse o propósito de utilizar o terreno, a nós cedido de graça, logo o visse despojado de todo aquele lixo acumulado durante anos.
Soubemos que de manhã costumava o Sr. Nicolau visitar o milharal, com a enxada nos ombros, detendo-se aqui e ali, a carpir o mato que se desenvolvia ao redor de um pé e de outro. Muitas vezes, não resistia à tentação de apalpar as espigas mais graúdas, sem abrir-lhes as palhas, e percebia o sabugo ainda fino e liso.
– Não tem grão. Tá cedo para apanhar – falava baixinho, de si para si.
Sabedores da rasteira que o Sr; Nicolau nos passou, em tom de zombaria os seus conhecidos a miúdo lhe perguntavam:
– Como está a roça de milho, Sr. Nicolau? Vai vender a colheita toda?
– Vender, não. Eu vou fazer pamonha e curau para mim comer com a família.

Conteúdo somente para assinantes. Por favor faça o login

Notícias Semelhantes