A lata de lança-perfume

Era um domingo gordo. Eu morava na roça. Tinha cerca de 15 anos e ardia por ver o carnaval na cidade. Às dez da noite, a casa dormia. Vesti camisa listrada de vermelho, meti na cabeça um boné azul e saí pela porta dos fundos, às escondidas de meus pais. Levava comigo apenas dois mil-réis.
A Avenida regurgitava de gente. Antigos automóveis sem capota, em cor­so, ligados uns aos outros pelas serpentinas, formavam uma só peça ao redor do jardim. Os blocos carnavalescos passavam serpeando entre o povo.
Meus olhos circunvagavam pela onda humana encapelada ao som dos pistões e ao baticum dos tambores. Um menino passou empurrando uns e outros. Um senhor a meu lado resmungou:
– Moleque safado! Decerto “bateu” um lança-perfume e está fugindo que nem doido!
Alguém me chamou. Era o Narciso, amigo de travessuras. Orgulhoso, exibia um rodo metálico dos grandes.
– Quem te deu, Narciso? – perguntei admirado e com inveja. Quanto quer por ele?
– Não quero vender, não! Está quase cheio. Tirei de um menino distraído! Você também pode surrupiar um, sem gastar um tostão.
Não tardou que eu descobrisse ao lado o Zico, vizinho de rua, pretinho intolerável e metediço. Nunca o suportei. Certamente, ouviu toda a nossa conversa e achou de plantar-se bem próximo de nós.
O Zico seguiu-nos de longe. O Narciso meteu-se num cordão. De vez em quando, eu fitava minha indesejável companhia, de olhos presos em mim, a vigiar-me os movimentos. Estive para perguntar o que ele queria e escorraçá-lo de minha presença.
Sentia-me desajeitado, sem um lança-perfume na mão. Mas, para adquiri-lo, só mesmo recorrendo ao expedien­te do amigo Narciso, ou de outros moleques de rua. Meu dinheiro não bastava. Essa ideia aos poucos me entrou na cabeça e dominou, calcando os bons ensinamentos recebidos de meus pais durante anos.
Um carro passou muito devagar rente a mim. Dentro, uma loirinha pula­va e cantava, os braços erguidos, com uma lata de lança-perfume na mão.