A bola de capotão

O Cel. Matias construiu um campo de futebol na fazenda e deu ao filho Juquita novinha bola de capotão. A criançada da fazenda e da rua alvoroçou-se. Todos os domingos, havia jogos. Uns de chuteira cambada, outros de velhos sapatos, e a maioria de pés no chão.
Éramos três amigos que íamos à fazenda assistir às peladas, esperançosos de um convite para jogar. Empoleirados no barranco, aplaudíamos qualquer passe do Juquita. Como jogava mal o convencido filhinho de papai! Tentei reatar amizade com ele, esquecer o passado. Nada.
– Não tem vergonha de falar comigo? Sentia desejos de surrá-lo, mas eu tinha certo temor. O mano Alberto havia ficado noivo da Zuleica, irmã mais velha de Juquita, sua namorada desde a infância. Um dia, tive a ideia de furtar a bola e logo a transmiti a meus dois amigos. Sem ela, acabariam as peladas por algum tempo e estaríamos vingados. Toda a família do Cel. Matias costumava assistir à missa de manhã, aos domingos. Decidimos aproveitar uma dessas ocasiões e executamos o plano que foi bem-sucedido. Reuni logo a gurizada que vi na rua e convidei-a a partilhar a minha alegria. Joguem à vontade. Sapequem o pé na bola, sem dó, porque ela não tem nenhum remendo. O trecho da rua transformou-se numa arena. A bola pulava e, atrás dela, uma onda de meninos disputavam um chute.
O mano Alberto e a noiva passaram por nós. Ele chegara de São Paulo, de manhã, dois meninos tagarelas correram a contar-lhe a novidade. O mano perguntou-me:
– É mesmo sua a bola, Milton?
Não encontrei de pronto uma resposta. Alberto a olhar o jogo insistiu na pergunta. Fui obrigado a mentir: é sim. Ganhei ela do patrão – respondi, baralhando as palavras.
– Belo presente você recebeu. Uma bola novinha – disse ele, afastando-se com a noiva.
Mais tarde, dei com os olhos em meu pai e num menino que vinham caminhando em minha direção. Este, eu logo o reconheci, era o Chico, da fazenda do Cel. Matias. A um grito de meu pai, o jogo parou. Quero a bola aqui! ordenou. Um moleque apanhou-a e lhe entregou, trêmulo, e os jogadores dispersaram-se num segundo. Meu pai reprovou-me severamente: é assim que se vira ladrão, roubando pequenas coisas. Nunca mais me faça isso! Sim, senhor. Sim, senhor. Vá agora mesmo com o Chico entregar a bola do Juquita e peça-lhe muitas desculpas. Se Alberto souber, que vergonha para a família! Não encontrei amigo para ir comigo à fazenda. Não que temesse o Juquita, mas a sua turminha da roça decidida a lutar por ele. Que poderia eu sozinho fazer contra um punhado de jecas atarracados, de punhos duros que nem cabo de guatambu? Eu soube pelo Chico que meus dois amigos me traíram, contando tudo a Juquita, a troco de serem admitidos em seu time de futebol. O rancor agitou-me o sangue. Eu… Eu vim entregar a bola do Juquita. O Cel. Matias sorriu e tratou-me com tanta amabilidade, que cheguei a supor me fosse dar a bola de presente. Vã esperança! Ele a recebeu, mal a olhou e atirou-a em um canto. Venha cá amanhã comer uns docinhos na festinha de aniversário do Juquita. Sim, senhor, muito obrigado. Uma ‘ova’ que voltaria lá. Tive pressa em sair dali e despedi-me. Enquanto o Cel. Matias estivesse à vista, eu não correria o risco de ser surpreendido pelo bando do Juquita. Um cão enrodilhado à beira da cerca assustou-se com a minha presença, pôs-se a latir e tive de correr. Pouco adiante, à beira da lagoa pescava o Juquita e as irmãs Mariana e Nilza. Passei de olhos fincados no chão. O Juquita gritou: – ladrão! ladrão! Quero minha bola de volta. Já entreguei ela a seu pai. Não sou ladrão.

Conteúdo somente para assinantes. Por favor faça o login

Notícias Semelhantes